Um projeto de lei de autoria do vice-presidente da Câmara de Vereadores, Rafael Boer (PRTB), pretende impedir a permanência de pessoas na Praça José Bonifácio, Centro, da meia-noite às 5h. O PL 90/2025 tomou parecer contrário da CLJR (Comissão de Legislação, Justiça e Redação) no último dia 7. Baseado na Procuradoria Legislativa, a negativa fere a Constituição Federal, Código Civil e estatuto da GCM (Guarda Civil Municipal). Boer é o mesmo que defendeu a taxa de luz em troca de favores com a prefeitura.
“Compreende-se por permanência, qualquer ato ou atividade, de uma ou mais pessoas que estejam no perímetro da praça com outro intuito a não ser o de deslocamento”, diz o parágrafo único do projeto seguido do segundo artigo “A mera circulação pela praça à título de deslocamento de pedestres, não configura permanência”. O quarto artigo permite a tal permanência no caso de “eventos de qualquer natureza, previamente autorizados pelo Poder Executivo”.
O breve projeto, com apenas cinco artigos, coloca como “competência da Guarda Civil Municipal e/ou outras autoridades advertirem as pessoas que desobedecerem a proibição de permanência, podendo, em caso de não-atendimento à advertência, fazerem a retirada dessas pessoas com o intuito de proteger e preservar o espaço público”.
Qual a justificativa do vereador?
Boer, autor do PL, defende o projeto na justificativa com foco na saúde pública, a fim de evitar ocorrências como brigas, consumo de drogas, depreciação do comércio e garantia de segurança pública. “Creio que a prefeitura, inclusive, precisa intensificar o encaminhamento dos moradores de rua e desocupados para serviços próprios de atendimento de saúde e proteção social”, escreveu o vice da Câmara em artigo publicado no Jornal de Piracicaba.
PL ilegal
A Procuradoria do Legislativo inicia seu parecer contrário citando o 15º artigo da Constituição: “é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens”. "A praça é um próprio municipal, de uso público, podendo os cidadãos nela transitar ou permanecer, em qualquer horário. Questões afetas à segurança e saúde pública não podem servir de embasamento à restrição de uso do local da forma como pretendido, devendo, sim, ser objeto de fiscalização pelas forças policiais”, escreve o departamento.
O artigo 98 do Código Civil coloca que “São públicos os bens do domínio nacional pertencentes às pessoas jurídicas de direito público interno” e artigo 99 “São bens públicos: os de uso comum do povo, tais como rios, mares, estradas, ruas e praças”.
Quanto à Guarda, a Procuradoria cita o artigo 115 da Lei Orgânica que manda a aprovação de legislação estar em conformidade com o estatuto da corporação. No artigo 117 está bem claro a competência exclusiva do prefeito quanto à iniciativa das leis que dispuserem sobre servidores públicos do município, seu regime jurídico, provimento de cargos e estabilidade.
Um buraco mais fundo
Na Câmara de Deputados corre um projeto semelhante ao de Boer. Em entrevista ao Correio Braziliense, a avaliação da gerente de Incidência em Políticas Públicas da Habitat para a Humanidade Brasil, Raquel Ludermir, cabe como uma luva para a situação do Centro piracicabano.
“O PL está basicamente mudando o problema de lugar, ele está direcionando para os abrigos emergenciais, um problema que é de moradia (permanente)”, explica. “É como se ele tivesse direcionado uma demanda histórica estrutural de um volume enorme, que é a demanda por moradia, só para a política de assistência”.
Vale também destacar a decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) de agosto de 2023 sobre a proibição de remoção e transporte compulsório de pessoas em situação de rua. Em tempo: de nada adianta proibir em um local, e os sem-teto migrarem para outro ponto. O que é necessário é um potente pacote de políticas públicas, de acolhimento à moradia. E, por ora, não há previsão de votação do PL de Piracicaba totalmente descabido e flagrante no quesito aporofobia.
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