Justiça sentencia primeiro despejo para maior favela de Piracicaba e juíza diz que Poder Público deve ser processado por não cumprir com direito constitucional de moradia


Primeiro despejo parcial na comunidade instalada no Parque dos Sabiás a partir de 2017 tem saída voluntária de propriedade privada até o fim de novembro
(foto/crédito: rede social/Comunidade Renascer Piracicaba)

Com cerca de 250 famílias, a Comunidade Renascer começa sofrer com o primeiro despejo num prazo de 90 dias para deixar o terreno de R$ 1,15 milhão no Parque dos Sabiás a partir da sentença dada no último dia 27 de agosto. A juíza do caso Miriana Maria Melhado Lima Maciel afastou a alegação constitucional da ocupação por função social da propriedade e indicou um caminho de processo judicial contra o Poder Público quanto ao também constitucional direito à moradia. Agora, a gestão Hélio Zanatta (PSD) deve se mover rapidamente para atender à massa futura de sem-teto dentro da Lei do Despejo Humanizado, a 9.880/2023, incluindo serviço social com avaliação sobre os impactos socioeconômicos a exatamente o pleno direito à moradia. Advogados populares que auxiliam a comunidade – maior favela em Piracicaba – informaram à reportagem que entrarão com dois tipos de recursos.

Para Caio Garcia, advogado popular e coordenador da OPA (Organização Popular), a decisão do despejo de parte da Comunidade Renascer “mostra, mais uma vez, como o Judiciário criminaliza a moradia popular, enquanto a omissão do Poder Público segue impune”. “Cabe à prefeitura cumprir sua obrigação e garantir alternativas habitacionais às famílias, como determinou a própria sentença de reintegração”, destacou.

“Quanto à decisão, ingressaremos com recurso de apelação e seguiremos organizando a resistência por todos os meios necessários. Chamamos não apenas a Renascer, mas todas as comunidades em risco de reintegração a se unirem nessa luta coletiva pelo direito à moradia e pela função social da propriedade. Só a organização popular poderá barrar a violência dos despejos e conquistar soluções reais.”

Função social x propriedade privada

Miriana Maciel entendeu que “a simples circunstância de o imóvel estar desocupado no momento da invasão não configura abandono, especialmente tratando-se de imóvel rural que pode permanecer sem ocupação efetiva por longos períodos sem que isso implique renúncia ao direito possessório”.

“O argumento da função social da propriedade não pode ser acolhido como fundamento para legitimar o esbulho possessório, pois a eventual omissão do Poder Público quanto ao direito constitucional à moradia não pode onerar os proprietários de imóveis privados, sob pena de ruptura da ordem jurídica vigente. Outrossim, o proprietário não pode, sozinho, ter o ônus de custear a moradia de centenas de pessoas.”

Para a magistrada, o contexto da favelização deve ser solucionado pelo Poder Público. “Os problemas sociais relacionados ao déficit habitacional devem ser resolvidos através de políticas públicas adequadas (pelo Poder Público), e não mediante a violação dos direitos fundamentais de propriedade e posse consagrados na Constituição Federal. Em caso de omissão deve ser intentada ação judicial contra àquele que tinha o dever de garantir o direito à moradia, não contra o proprietário particular.”

Não cabe usucapião

Conforme a juíza, os proprietários da área ocupada, Osmar Rodrigues Mendonça e Maria Alice Vieira da Silva Mendonça, “comprovaram de forma inequívoca sua condição de legítimos possuidores e proprietários dos imóveis rurais” com valor venal de R$ 1.156.319,62. “(...) os autores tomaram conhecimento da invasão em dezembro de 2017 e imediatamente buscaram a solução amigável, não obtendo êxito, razão pela qual ajuizaram a presente demanda em janeiro de 2018, demonstrando que não abandonaram ou renunciaram à posse, eis que agiram imediatamente, tão logo tomaram conhecimento da invasão.”

“(...) mesmo considerando-se o marco inicial mais favorável aos réus (junho de 2017), até a propositura da demanda não havia transcorrido sequer um ano completo de ocupação, quanto mais os cinco anos exigidos pelo artigo 1.240 do Código Civil para a usucapião especial urbana ou os quinze anos previstos no artigo 1.238 para a usucapião ordinária.”

A magistrada também sinaliza haver infrações ambientais. “A ocupação irregular dos imóveis dos autores configura também grave violação à legislação ambiental, tornando ainda mais imperiosa a determinação de reintegração de posse por razões que transcendem o mero conflito possessório entre particulares, alcançando o interesse público na preservação do meio ambiente. Conforme narrado na inicial e não contestado pelos requeridos, as construções irregulares estão sendo erigidas em áreas de preservação ambiental permanente, causando danos irreparáveis à fauna, flora e recursos hídricos existentes no local.”

Próximos passos

Com um prazo de 90 dias, a desocupação da área de forma voluntária deve ser feita até o dia 25 de novembro, conforme determinou a juíza Miriana Maciel. Caso contrário, a sentença já prevê “desocupação forçada com emprego de força policial”. A magistrada também ordenou o envio de ofício, por e-mail ou carta, para a Secretaria de Habitação e Urbanismo a fim de “que providencie alternativas habitacionais para as famílias ocupantes, de modo a possibilitar a reintegração ora determinada”.

A prefeitura foi questionada pela reportagem quanto ao atendimento integral da Lei do Despejo Humanizado, mas não prestou qualquer esclarecimento. Ao site g1/Piracicaba, a administração de Hélio informou aguardar ser citada dentro do processo – o que não deve acontecer porque a prefeitura já deve ter sido oficiada pela Justiça.

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