Faltando um mês para o recesso do Legislativo, o que chega do prefeito Helinho Zanatta (PSD) à vereança tem inflamado a opinião pública. Nesta edição de número 324, a reportagem disseca duas pautas: o PL 281/25, vulgo PL da Fome, e o PLC 16/25, de desmonte da proteção ambiental municipal por meio da reforma do Comdema (Conselho Municipal de Defesa do Meio Ambiente). Vamos por partes.
PL da Fome: a tramitação na Câmara
O PL 281/2025 do prefeito Zanatta passou em votação derradeira na sessão camarária desta segunda, dia 17. Por 11x6, a maioria da vereança disse sim ao projeto que pretende burocratizar a entrega de alimentos para os que tem fome, sob pena de multa de até R$ 6.000 em caso de reincidência – conheça o que determina a nova lei no subtítulo abaixo. Veja como votaram os nobres edis:
SIM
Alessandra Bellucci (AVA), Ary de Camargo Pedroso Júnior (PL), Fábio Silva (REP), Gustavo Pompeo (AVA), Josef Borges (PP), Paulo Henrique Paranhos Ribeiro (REP), Renan Paes (PL), Thiago Ribeiro (PRD), Valdir 'Paraná' (PSD), Zezinho Pereira (UB) e Wagnão Oliveira (PSD)
NÃO
André Bandeira (PSDB), Edson Bertaia (MDB), Gesiel Madureira (MDB), Laércio Trevisan Jr (PL), Rai de Almeida (PT) e Silvia Morales (PV/Mandato Coletivo)
Ausentes
Felipe 'Gema' (SD), Marco Bicheiro (PSDB), Pedro Kawai (PSDB) e Relinho de Rezende (PSDB). Rafael Boer (PRTB) presidiu a votação.
PL da Fome: nova lei
Destemido, o prefeito tocou em diante seu projeto higienista e de repulsa aos pobres mesmo com puxões de orelha da OAB Piracicaba, Ministério Público e, na sequência, no dia 13 último, do Núcleo Especializado de Cidadania e Direitos Humanos da Defensoria Pública do Estado de São Paulo – o órgão pediu a rejeição do PL 281 por meio de uma extensa nota técnica “a fim de garantir a preservação dos direitos das pessoas em situação de rua, particularmente o direito à alimentação adequada, pela sua inconstitucionalidade e incompatibilidade com princípios que permeiam o Estado Democrático de Direito”.
Ainda conforme a defensoria, os principais pontos cruéis do PL da Fome são:
a) Cadastro e Autorização da Secretaria Municipal de Obras, Infraestrutura e Serviços Público e Secretaria Municipal de Assistência, Desenvolvimento Social para distribuição de alimentos por parte de entidades e pessoas físicas, assim como cadastro obrigatório de voluntários (art. 3o, incisos IV, V e VI e artigo 4o, incisos II e III);
b) Exigência de cadastro obrigatório e atualizado junto à Secretaria Municipal de Assistência, Desenvolvimento Social e Família das pessoas em situação de vulnerabilidade social para receber qualquer doação de alimentos (artigo 3o, inciso VII e artigo 4o, inciso IV);
c) Imposição de obrigações aos voluntários e entidades, tais como promover a limpeza e zeladoria da área onde será realizada a distribuição dos alimentos, disponibilizando tendas, mesas, cadeiras, talheres, guardanapos e demais ferramentas necessárias à alimentação segura e digna, responsabilizando-se posteriormente pela adequada limpeza e asseio do local onde se realizou a ação (artigo 3o, inciso III e art. 4o, inciso I);
d) As doações de alimentos a pessoas em vulnerabilidade social deverão ocorrer em locais e horários previamente agendados e autorizados pelas Secretarias Municipais de Assistência Desenvolvimento Social e Família e de Obras, Infraestrutura e Serviços Públicos, de forma a garantir a segurança e o bem-estar dos beneficiários. (art. 8o);
e) Elaboração de plano detalhado de distribuição dos alimentos submetido à aprovação da Secretaria Municipal de Assistência, Desenvolvimento Social e Família, por meio do Setor de Segurança Alimentar (artigo 8o, § 2o); e
f) A fiscalização poderá aplicar sanção administrativa com aplicação de multa no valor de R$ 3.000,00 (três mil reais) (art. 9o) – em caso de reincidência, o valor é dobrado, aos R$ 6.000.
PL da Fome: day after
Logo após a Câmara de Vereadores aprovar em segunda votação o PL 281 do prefeito Zanatta, o presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB Piracicaba, Gustavo Henrique Pires, informou à reportagem ter protocolado no Ministério Público uma representação formal contra o PL da Fome. O objetivo é o de pedir “a imediata apuração da legalidade e constitucionalidade do referido Projeto de Lei, bem como a adoção de medidas judiciais e extrajudiciais cabíveis para impedir que seus efeitos venham a vulnerar os direitos da população mais desassistida de Piracicaba”, aponta o documento.
Nesta sexta, dia 21, chegou até a reportagem a informação de que a deputada federal Erika Hilton (Psol-SP) também acionou o Ministério Público em Piracicaba contra o PL do prefeito. A parlamentar afirma que a lei viola direitos fundamentais, impõe barreiras à assistência voluntária e contraria decisões e normas federais, como a lei de sua autoria, a 14.821/2024 (Política Nacional de Trabalho Digno para a PopRua), além da decisão do STF na ADPF 976, que veda obstáculos ao acesso de pessoas em situação de rua a direitos básicos.
Na ação, Erika solicita que o Ministério Público instaure procedimento investigatório, notifique o prefeito e a Câmara Municipal, recomende o veto integral da lei e, caso seja sancionada, ingresse com Ação Civil Pública para suspender seus efeitos e garantir a continuidade das doações sem burocracias indevidas.
A reportagem também já entrou em contato com o Conselho Nacional de Direitos Humanos, que já informou ter um posicionamento contrário ao PL 281. O CNDH é um órgão colegiado instituído pelo Governo Federal, que tem por finalidade a promoção e a defesa dos direitos humanos no Brasil através de ações preventivas, protetivas, reparadoras e sancionadoras das condutas e situações de ameaça ou violação desses direitos, previstos na Constituição Federal e em tratados e atos internacionais ratificados pelo Brasil.
Até esta quarta, dia 19, o PL da Fome não pareceu no Diário Oficial do Município com a sanção do prefeito, etapa necessária para fazer vigorar a lei. Segundo a Defensoria Pública, Piracicaba possui pelo menos 766 pessoas em situação de rua e mais de 26 mil pessoas com dificuldade de acesso a alimentos saudáveis, o que torna ainda mais grave a criação de entraves para iniciativas solidárias.
Vale lembrar que, em parecer antes da segunda votação na Câmara, o promotor de Justiça, Carlos Paulo Travain Filho, sinalizou que realizaria "uma análise detalhada acerca da legalidade e da própria constitucionalidade da lei [quando] eventualmente aprovada".
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